terça-feira, 3 de agosto de 2010

O DRAMA DAS ENCHENTES

Parece mesmo que já faz parte da rotina de nossa sociedade vivenciar eventualmente o drama causado pelas enchentes que castigam esse país tropical de tempos em tempos. Muito além dos prejuízos causados, tais eventos assumem efetivamente a condição de tragédia por sua dimensão humana, ao ceifarem vidas, desestruturarem famílias e piorarem profundamente as condições de vida dos sobreviventes que são gravemente atingidos.


A recorrência desses eventos é bastante alta, especialmente nos meses mais quentes. Em alguns casos o impacto é maior. Sem voltar muito no tempo podemos recordar as chuvas que atingiram o estado de Santa Catarina, no final de 2008; o drama em Angra dos Reis (RJ) e São Luis do Paraitinga (SP) na virada de 2009 para 2010; o impacto violento das águas que caíram sobre a região metropolitana do Rio de Janeiro no início de abril deste ano; e agora as chuvas que atingem o Nordeste, especialmente os estados de Pernambuco e Alagoas.


As recentes chuvas no Nordeste guardam características anormais pela sua época incomum e pelo seu processo de formação. Chuvas intensas assim são mais comuns no verão, no entanto a região sofreu intensa carga pluvial num período de transição do outono para o inverno, quando as chuvas normalmente diminuem. A causa para isso é explicada pela ação conjunta de três fatores climáticos fora da normalidade.


Um deles é a chegada de ventos úmidos vindos da área conhecida como Alta da Bolívia, uma área de alta pressão que dispersa esses ventos úmidos que atingem o Nordeste, normalmente no verão. Sua atuação no inverno pode ser considerada anormal.


Outro fator é a temperatura acima do normal nas águas do Oceano Atlântico na costa nordestina. Este fenômeno, que tem sido observado e monitorado pelos meteorologistas, facilita a evaporação das águas aumentando o volume das chuvas que chegam ao litoral.


Somando-se a esses fatores, notou-se também a permanência da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) sobre o Nordeste. Sua presença, que torna os dias mais chuvosos, é comum no verão mas, com a mudança de estação, ela normalmente se afasta em direção ao hemisfério Norte, reduzindo as chuvas, o que não ocorreu até o início desse inverno.


A causa dessa anomalia foi o fortalecimento de um sistema de ventos paralelos ao Equador que sopram da África em direção ao Brasil. Esses ventos fortes impediram o deslocamento da ZCIT para o Norte, tanto que os níveis de chuva em Roraima e no Amapá - estados mais setentrionais, com terras no hemisfério norte - estão abaixo da média para a época.


Recebendo uma carga pluvial intensa desde abril, os solos permeáveis do Nordeste encharcaram e o volume de água dos rios cresceu. Apesar da existência de diversos açudes ao longo dos principais rios de Pernambuco e Alagoas, muitos deles atingiram sua capacidade máxima e transbordaram, assim como também transbordaram dezenas de rios e córregos, espalhando água, destruição e dor.


E o resultado é um grande número de mortos além de prejuízos de mais de um bilhão de reais, segundo informações do ministro da integração nacional Geddel Vieira Lima. Casas, escolas, hospitais, comércio... Muita destruição. O presidente Luis Inácio Lula da Silva cancelou sua participação na cúpula do G20 e foi ao município de Rio Largo (AL), um dos mais afetados pelas chuvas. A cidade de Rio Largo é cortada pelo rio Mundaú, que nasce no planalto da Borborema, em Pernambuco, na cidade de Garanhuns, e deságua na lagoa Mundaú, ao sul de Maceió. O rio transbordou e arrasou a cidade. Há medidas em curso para a liberação de verbas emergenciais para as cidades afetadas.


A ação solidária dos brasileiros nesses momentos difíceis é de valor inestimável. É fundamental o apoio material e o trabalho voluntário que milhares de pessoas dedicam aos atingidos pelas chuvas. No entanto, diante do conhecimento do problema que enfrentamos, cabe-nos pensar nas medidas que podem ser tomadas para evitar novas tragédias.


Muito além dos necessários investimentos públicos na construção, ampliação e modernização de redes de drenagem, diversas formas de uso e ocupação do solo podem ser implantadas ou devem ser evitadas dependendo do caso.


Entre as medidas mais importantes podemos destacar a preservação e revitalização das matas ciliares (vegetação marginal) evitando o assoreamento dos rios e a redução da sua capacidade de carga; a não-ocupação das margens fluviais já que essas são as principais construções afetadas pelas enchentes; o combate ao desmatamento de encostas, que acelera o escoamento superficial facilitando o acúmulo de água nas áreas baixas do terreno e os desmoronamentos, no caso de encostas ocupadas; e a manutenção da limpeza das redes de escoamento que, principalmente nas grandes cidades, sofrem com o despejo de grandes volumes de lixo.


A implantação dessas e outras medidas cabíveis envolve a elaboração e a prática de um profundo planejamento urbano, social e ambiental além de demandar o enfrentamento das dificuldades políticas da gestão integrada das bacias hidrográficas intermunicipais e interestaduais.


É grande o desafio que temos pela frente. Muito maior é o valor das vidas que dependem da nossa vitória.


P.S.: Veja também o vídeo que gravei para o site g1.com falando sobre esse tema, CLICANDO AQUI.

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